quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Félix

Sozinho dentro do quarto, abre a janela do apartamento e olha para a cidade. O parque a sua frente contradiz com os prédios e mais prédios ao fundo: a selva de pedras que ele se acostumou a desbravar. Sente o vento quente do ar poluído contra seu rosto. Decide voltar para dentro do quarto e separar a roupa que usará logo mais. No quarto, as lembranças de uma vida. Tudo o que gosta, tudo o que conquistou. Pensa consigo mesmo: “Qual o valor disto tudo?” Belo apartamento, o carro na garagem, o guarda-roupas cheio de peças que a tempos não são usadas. Respira fundo. Ele está feliz. Claro, tem tudo o que sempre quis.
Um momento de reflexão. Se lembra então de quando era jovem. Se lembra de como era feliz, mesmo não tendo os bens materiais que conquistou. Se dá conta mais uma vez que sempre foi feliz e agradece a Deus na quietude de seu quarto. “Serei mesmo merecedor de tudo isso?” Pergunta a si mesmo como já fizera tantas vezes antes.
À medida que seus pensamentos fluem em sua mente vai se dando da pessoa que é, da pessoa que sempre foi. Não parece ter mudado muito desde sua juventude. Hoje é uma pessoa muito melhor, é claro. Mas nunca se esqueceu do que realmente é importante, por mais que em alguns momentos tenha deixado tais coisas de lado. Nada que atrapalhasse. Atitudes como essas apenas trazem aprendizado e sabedoria. Se julga uma pessoa de sorte. Afinal de contas, soube viver respeitando a vida.
Tenta se lembrar de seu passado. Se esforça para voltar o máximo possível no tempo em suas lembranças. Algumas lembranças de sua infância surgem e com elas uma dúvida. Qual a primeira delas? Mesmo se esforçando, não se lembra. Então se deixa levar pelo tempo. A primeira escola, as brincadeiras, o primeiro amor e por aí vai... Trata de parar em cada ponto, valorizando o que viveu e tentando entender seus erros. Alguns cometidos por inocência, outros por teimosia. Sempre foi assim e sempre será. Se lembra agora das festas e bebedeiras com os amigos da faculdade. Das descobertas da juventude. De tantas manhãs em que, com os amigos, viu o belo espetáculo do sol nascer. Muitas vezes não se lembra com detalhes, é verdade, mas se lembra bem do que sentia assistindo à luz tomando conta da noite e desenhando as nuvens no céu. Pensa que deveria ter assistido tal espetáculo mais vezes, mas chega à conclusão de que pode fazer isso sempre que quiser, todos os dias e de graça. Por isso é uma pessoa feliz.
Mais um minuto de silêncio embebido em seus pensamentos e a campainha toca. Acorda de seus sonhos e se lembra de que dia é hoje: o dia de seu casamento. Se enrola na toalha ainda molhada e sai do quarto para abrir a porta para seus pais que chegaram. Está chegando a hora...



The Beatles - All You Need Is Love

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